quarta-feira, 5 de março de 2008

Jovens continuam sem saber como se transmite a Sida


Sérgio Luís faz mais de 30 mil quilómetros por ano: vai a creches, escolas e lares falar sobre HIV. Dez anos depois da primeira palestra, assegura que as dúvidas continuam as mesmas. Num país onde a Educação Sexual ainda não chegou a todos, os jovens ainda perguntam «como se transmite o vírus».
No anfiteatro da escola secundária de Vila Nova de Santo André, no Alentejo, o ar despreocupado dos finalistas ali reunidos dá lugar a expressões de choque. Acabaram de ouvir que fazem parte do grupo etário responsável por cerca de metade dos novos casos de infecção de HIV em Portugal.
A informação apanha-os de surpresa. Alguns, até então enterrados nas cadeiras, endireitam-se e procuram saber mais sobre o Vírus da Imunodeficiência Humana.
«Se for detectado no início pode ser tratado?», questiona um aluno no meio da plateia. «Como é que nos podemos proteger?», atira quase em simultâneo um colega, logo atropelado por outra pergunta: «Onde é que podemos fazer um teste para saber se estamos infectados?».
O técnico da associação Abraço tem um ranking «preocupante» das principais dúvidas levantadas pelos milhares de jovens que contactou ao longo de uma década. «O que é que significa HIV?» e «Como se transmite o vírus?» continuam no top, diz preocupado.
Perguntas difíceis de aceitar numa altura em que Portugal assinala precisamente 25 anos da detecção do primeiro caso de SIDA no país.
«Ao contrário dos estudos e relatórios que vão sendo divulgados sobre o conhecimento desta matéria, todos os dias respondo às mesmas perguntas e dúvidas que respondia há exactamente dez anos», alerta, sublinhando que, no que toca a conhecimentos, já não se encontram diferenças entre os jovens do interior e os das grandes cidades.
A experiência do técnico é atestada pelas estatísticas, que revelam um paradoxo aparente: a geração que nasceu num mundo com HIV, que tem acesso à Internet e informação sobre sexualidade e Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) é também uma das mais atingidas pelo vírus e responsável por colocar Portugal em segundo lugar na tabela dos países europeus com a maior taxa de mães adolescentes.


O problema poderá estar na qualidade da informação e na ideia de que a multiplicação de sensações a que os jovens actualmente estão sujeitos pode descartar o conhecimento científico e a pedagogia.
«Acredito que se todas as escolas tivessem programas de educação sexual consistentes, a situação seria muito melhor», defende Duarte Vilar, director executivo da Associação para o Planeamento da Família, que desenvolve trabalho na área da educação sexual (ES) há mais de trinta anos.
Este responsável recorda o caso da Finlândia, onde «se registou um aumento de gravidezes não desejadas e de infecções sexualmente transmissíveis depois de terem sido suspendidos os programas de educação sexual».


Em Portugal, desde 1984 que são aprovados diplomas legais para aplicar a educação sexual nas escolas. O primeiro projecto-piloto arrancou há 13 anos e há oito foi publicado o decreto-lei que tornou obrigatória a abordagem da saúde sexual e humana. No ano passado, o Ministério da Educação (ME) voltou a anunciar a obrigatoriedade das escolas leccionarem a matéria.
«Fazemos boas leis, mas depois não as implementamos nem monitorizamos. Está na altura de deixar de reflectir tanto e passar a acção. Têm de deixar de brincar às alterações legislativas», defende, por sua vez, Joana Almeida, da Rede Europeia de Jovens pela Defesa dos Direitos Sexuais e Reprodutivos (Youact).
Portugal foi dos primeiros países europeus a permitir a educação sexual nas escolas. Mas «a lei era tão boa e estava tão bem feita que até permitia que a matéria não fosse dada e foi o que aconteceu», lembra Sérgio Luis.


Albino Almeida, da Confederação Nacional da Associação de Pais (Confap), argumenta que a última decisão ministerial significa um avanço, mas defende que cabe também aos alunos alterar o actual panorama.
«Os jovens de hoje têm acesso a uma imensidão de informação, mas muitas vezes descuram o que sabem em teoria. Têm um deficit entre o que aprendem e o que aplicam», diz o presidente da Confap.
Um inquérito recente revelou que um terço dos jovens portugueses sexualmente activos não utiliza preservativo e outro terço admite só usar às vezes.
O professor de Biologia da escola secundária de Vila Nova de Santo André, João Mendes, pode ter uma justificação para a falta de aplicação dos conhecimentos. Nas terras pequenas, a privacidade é um direito difícil de manter.


«Há muito tempo que os alunos sabem o que é um preservativo, mas têm vergonha de ir comprá-lo. Aqui, se vão à farmácia, no dia seguinte há alguém a comentar com o pai - então o teu puto foi comprar preservativos», lembra João Mendes, defensor acérrimo da abertura em todas as escolas dos anunciados gabinetes de apoio e aconselhamento aos alunos.
Na semana passada, os finalistas da escola alentejana aproveitaram a presença do representante da Abraço para colocar todas as dúvidas numa aula que ultrapassou as duas horas. No final, Sérgio Luís deixou um presente aos alunos: um caixote de preservativos. Em poucos minutos, o caixote ficou vazio.

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