domingo, 24 de outubro de 2010

Um portador de VIH é alguém que adquire características muito próprias.

Texto de uma amiga muito especial : http://positivopt.ning.com



Um portador de VIH é alguém que adquire características muito próprias. Por maiores que sejam as afinidades que possamos ter com um portador de VIH é necessário uma aproximação à causa, um debruçar sobre sentimentos e reacções para que possamos transmitir para o nosso mundo vivências que, pese embora as aproximações, nunca mais serão iguais às nossas.
O portador de VIH é duplamente magoado pela doença e pelo estigma. Torna-se hipersensível, mais inseguro e mais amedrontado. Por vezes receia a compreensão que vem de fora e que não entra no seu mundo inabitável para quem não pode entender, por não as sentir, as suas inseguranças e os seus medos. E também os seus anseios de vida agora mais agudizados pela ameaça e pela ansiedade com que preenche os dias.
A sua estrutura emocional é mais frágil, mais carente, os seus humores mais diversificados. As tempestades são longas entre os sóis que se põem e que voltam e onde ele se aquece por instantes para depois tremer de frio. A solidão é mais densa. Sente-se mais incompreendido. Recusa o que mais anseia. Porque a vida continua a pulular entre as suas desesperanças.
A estrutura nervosa/emocional está pronta a abanar ao menor sopro.Diz que está mais forte para se convencer que tem o que lhe falta. É preciso uma psicologia própria para deambular por este mundo e ganhar nele afecto e confiança.
Mas quando se consegue passar entre as malhas do medo, entre os nervos que abanam ao mais pequeno deslize, encontramos pessoas enriquecidas pelo sofrimento. Foram várias as que me disseram que o VIH as melhorou como seres humanos. Foram várias as que vi com uma nova noção do valor do tempo, com uma nova capacidade de entrega e com uma força interior para lutar. Lutar por si e pelos outros que é afinal a maior prova de luta que se pode travar.
O portador de VIH é efectivamente um herói, um ser de eleição, alguém que vale a pena conhecer e conquistar. Ele receia quem vem de fora. Quem pode não compreender que o mar tem muitas ondas e que há diferentes formas de as cortar.
O portador do VIH é ainda mais sensível se for portador doutro tipo de estigma. Aí torna-se ainda mais inseguro sobretudo se encontra uma mão estendida de quem nada tem destes estigmas que o arrasam e tornam as noites mais frias.
Ele tem medo do amor dos diferentes por muito que os diferentes se igualizem. Só os de condição igual falam a sua linguagem, lhe dão as suas certezas. Mas esses também são frágeis, também têm medo, também sofrem de ansiedades e humores ameaçados. Talvez os diferentes sejam a resposta se ele perder o medo. Afinal quem se aproxima já não é diferente. Vem de peito aberto sem medo de partilhar. E vem derrubar os estigmas na aproximação. E tem para dar a tal estrutura que o abana por vezes...
Um seropositivo tem muito para dar: tem a capacidade rica e criadora duma sensibilidade acrescida pela adversidade. Tem amor para dar a quem o ama. É melhor que a maioria das pessoas que não passou por isso. É um desafio e uma conquista no break even morte - vida.
Abram-se as portas a este crescimento humano sem medos. E todos seremos muito melhores. Porque afinal não somos diferentes. Do outro lado da barricada também há quem precise acreditar. Quem precise amar. Quem precise ser aceite.
Quem inventou o estigma devia estar bêbado. Quanto de luz se perde quando se constroem muros.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

in Diário Noticias da Madeira - Sobreviver com 204 Euros



Sobreviver com 204 euros
Seropositivos lutam contra o vírus e pela sobrevivência: Faltam apoios
Data: 26-01-2009 Comentários: 0
Vivem com uma pensão vitalícia de 204 euros, têm medicação grátis (para tratamento da doença) e apoio na deslocação ao Hospital dos Marmeleiros. A luta contra a sida conheceu progressos significativos nos últimos anos, mas a verdade é que muitos dos 378 seropositivos diagnosticados na Madeira, em Setembro do último ano, lutam agora pela sobrevivência. O preconceito e a discriminação deixam-nos sem trabalho e sem dinheiro para comer e para pagar os suplementos vitamínicos necessários para sustentar a carga medicamentosa no organismo. Os seropositivos com que o DIÁRIO falou, pedem mais apoio psiquiátrico e terapias complementares. Para poderem adiar a hora da morte. Tiago (nome fictício) mora da zona Oeste da Madeira e descobriu o Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH/sida) logo aos 18 anos. "Apareceu-me uns nódulos no pescoço e debaixo do braço", recorda. Fez análises clínicas e apresentou-as a uma médica do Hospital do Funchal. "Estava tudo bem, mas ela recomendou que eu fizesse um rastreio à sida e pediu, para isso, a minha permissão", numa altura em que a sida não era ainda uma doença de declaração obrigatória. Tiago acedeu tirar a prova dos nove. O resultado deu positivo. "A minha reacção inicial nem foi de choque porque eu já andava tão deprimido que aceitei aquilo como se fosse mais um grande azar na minha vida e pensei: era só o que me faltava, não podia ser pior". Residente na zona Oeste da ilha da Madeira, Tiago, hoje com 30 anos, teve uma infância problemática. Cresceu numa casa modesta, no seio de uma família desestruturada e bebia para esquecer as crises. "Ainda vivia com os meus pais quando soube que era seropositivo, mas não lhes disse nada". Guardou segredo durante quatro anos, período em que segurou a vida sem que nunca o Hospital lhe oferecesse a possibilidade de ter apoio psiquiátrico. Cresceu com sida, mergulhado numa depressão profunda e medicamentando-se às escondidas. Hoje, garante que não sabe como foi contagiado com o VIH. "Durante o período escolar, sem que ninguém se apercebesse, punha o comprimido debaixo da língua e corria para beber água", relata. As náuseas e as diarreias são alguns dos efeitos secundários mais comuns da medicamentação - combinação tripla de pastilhas antivirais - , mas o Tiago acusou outros. "Estava a meio de uma aula a tocar, como que a enrolar o cabelo, quando, de repente, olhei para o caderno e vi um monte de cabelo. Foi um choque". Diz que a partir dessa aula do 10.º ano o seu comportamento mudou completamente. Da falta de concentração, passou a irritar-se por tudo e por nada e a transformar-se num rapaz problemático, indisciplinado e sem aproveitamento escolar. Desterrava as mesadas em bebidas. Fartou-se do efeito analgésico do álcool e entregou-se aos fármacos. "Fui às drogas prescritas", esclarece assim, de forma directa. "Enganava a farmácia e dizia que os remédios eram para a minha avó", confessa. Ingeria grandes quantidades de pastilhas indiscriminadamente "para esquecer a situação e porque gostava da sensação de ver vacas a voar e a desequilibrar-me quando andava". Sem nunca saber o que são terapias de grupo, foi numa dessas sessões alucinogénicas que, na companhia de um colega de escola, desabafou, pela primeira vez, o seu segredo.Viveu seis meses na ilusão, até que a mãe detectou sinais da sua insanidade mental e decidiu procurar apoio psiquiátrico. "A minha mãe marcou uma consulta na Clínica da Sé. Na altura custou 7.500 escudos". Tiago confessou ao psiquiatra a razão de toda aquela agitação juvenil: era seropositivo e vivia o drama sozinho e escondido do mundo. Um ano depois, suspendeu a medicação. Um dos exames periódicos revelou que a carga viral tornou-se indetectável. "Uns amigos seropositivos que conheci nos Marmeleiros aconselharam-me a parar porque a medicação era muito forte e desfigurava uma pessoa". Sentiu-se aliviado, embora temesse que o VIH evoluísse e não ficasse imune à medicação. O facto de ser seropsitivo valeu-lhe sacrifícios no relacionamento social e afectivo. Aos 24 anos, chegou a estar noivo durante 18 meses mas, quando toda a família o empurrava para casar, Tiago recuou. "As relações sexuais sempre foram protegidas, mas não estava disposto a expô-la a esse risco". O sonho da companheira em ter filhos, de amamentá-los, fê-lo procurar uma solução no Hospital do Funchal. "Pedi para fazerem uma análise de contagem do vírus no esperma e expliquei que estava a pensar ter um filho, mas disseram-me que o meu pedido foi negado porque era muito caro". De uma vez por todas, pôs de lado o sonho de constituir família. 'Rompeu' o noivado e entregou-se à depressão, fazendo despertar o vírus. 15 pastilhas e uma refeição por diaCom as defesas do organismo débeis, sofreu uma carga viral no sistema imunológico para níveis detectáveis. "Perguntaram-me se estava disposto a retomar a medicação". Inicialmente hesitou, depois acedeu. Toma 9 a 15 pastilhas três vezes ao dia e luta para se alimentar bem. Os portadores de VIH/sida beneficiam de uma pensão vitalícia. São 204 euros por mês, que não dão para cobrir as despesas com suplementos vitamínicos (minérios e vitamina E), ou os cuidados de higiene extra tão imprescindíveis para evitar que se debilite o sistema imunitário e que a doença determine o seu destino. "Vejo um grande investimento para combater o vírus e a medicação é caríssima, mas vejo pouco no fortalecimento do organismo", resume, assim, a política social de apoio aos seropositivos. "É preciso uma boa base alimentar e sinto-me assustado por não ter dinheiro para me poder alimentar direito", confessa. Todos os meses gasta cerca de 50 euros, a que acresce 22 em gás e 25 em electricidade. "Não dá", desafoga. "Ninguém está a ver o que se está a passar", aponta. Recentemente, viu recusado o reembolso pela totalidade da despesa de uma deslocação que fez ao Hospital dos Marmeleiros. Gastou 84,60 euros de táxi, ida e volta, mas o Governo só paga metade. "Para quem vive longe do Funchal e com baixos rendimentos é complicado". Está desempregado e confessa ter tido dificuldades em arranjar um trabalho sólido, pois "o mundo é pequeno". Mas "há uma pessoa que me apadrinha". Conta com a ajuda de um amigo que lhe reserva alguns "biscates" na jardinagem. Assim, de vez em quando, consegue comer antes de se deitar.
Ricardo Duarte Freitas

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Oa utentes do SNS vão agora fazer o teste do HIV gratuitamente, na Madeira isso já acontecia!!!



Jornal da Madeira / Região / 2008-12-03

Os utentes do Serviço Nacional de Saúde vão agora poder fazer o teste da sida gratuitamente
Saúde nacional segue modelo da Região
Os testes da sida sempre foram gratuitos na Região Autónoma da Madeira, ao contrário do continente que só agora está a mudar para este modelo. O secretário regional dos Assuntos Sociais diz que a Madeira nunca seguiu o sistema nacional nesta matéria, sendo que um dos motivos foi considerar «irracional» tratar a esta problemática em centros homogéneos.
A ministra da Saúde, Ana Jorge, anunciou a 1 de Dezembro, Dia Mundial da Saúde, na Amadora, que os testes da Sida (VIH1 e VIH2) vão passar a ser gratuitos para todos os utentes do Serviço Nacional de Saúde (SNS), indo assim ao encontro da opção tomada pelo Sistema Regional de Saúde, que sempre realizou os testes gratuitamente para os seus utentes. O teste da sida «continuará a ser gratuito como até aqui, sem pagar taxas moderadoras», garantiu ontem ao JM, Francisco Jardim Ramos, secretário regional dos Assuntos Sociais. Também ao contrário do continente, na Madeira não há locais específicos para realizar o testes, como os centros de diagnósticos de sida. Na Região, basta ir ao centro de saúde da sua área de residência, onde lhe é passada a requisição para fazer a colheita de sangue. O teste depois é feito sem qualquer encargo para o utente. Se o utente quiser ir a uma unidade convencionada, também pode fazê-lo, recebendo depois uma comparticipação. O secretário regional aproveita o momento para fazer a distinção dos sistemas regional e nacional. «Nós nunca seguimos a política nacional nesta matéria, porque consideramos que é irracional tratar esta problemática em centros homogéneos de diagnóstico», visto continuar a ser uma doença «muito estigmatizante», referiu o governante. Para Francisco Jardim Ramos, fazer os testes em centros de diagnósticos de sida, como no continente, já era, de facto, expor a pessoa a uma situação que «deve ser tratada com a maior discrição possível. Por isso, nós optámos aqui, sempre, por fazer como uma situação normal de outra doença qualquer». O governante lembra ainda «que a rede de centros de saúde cobre toda a Região, pelo que o utente, pode, de forma confidencial, fazer a análise de forma gratuita». Até agora, os testes são pagos no continente. Ainda assim, em Portugal realizam-se já cerca de um milhão de testes por ano. A ministra da Saúde, Ana Jorge, anunciou também o reforço da capacidade de diagnóstico precoce do vírus, particularmente junto dos grupos mais vulneráveis. Para tal, revelou a ministra, vão ser disponibilizadas cinco unidades móveis - uma por cada administração regional de saúde -, que pretendem assegurar um acesso universal ao diagnóstico da infecção, além de proporcionarem informação e aconselhamento.
Na Região, basta ir ao centro de saúde da sua área de residência, onde lhe é passada a requisição para fazer a colheita de sangue. O teste da sida depois é feito sem qualquer encargo para o utente.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Dia Mundia da Sida - Madeira - diário noticias

"Vivemos a fantasia de que somos inatingíveis"
A chave para a luta contra a sida continua a ser a prevenção. Na região há 378 casos
Data: 01-12-2008
As campanhas repetem-se mas o número de casos está lá, firme e com tendência crescente. A ideia de que a sida "só acontece aos outros" continua a persistir, daí que "o grande chavão para esta doença continue a ser a prevenção". Para a coordenadora da delegação regional da Abraço, Cristina Gouveia, "a responsabilidade de diminuir os casos de sida é individual". "Vivemos um pouco a fantasia de que somos inatingíveis", alerta. A Abraço apoia, na Região, cerca de 200 pessoas, de entre as quais 64 crianças e 42 agregados familiares. "O projecto com as crianças é muito completo e feito em ligação com as escolas", explica. Muitas delas passam várias horas diárias na associação, almoçam, jantam, desenvolvem actividades. Contudo, como refere Cristina Gouveia, "a Abraço não tem uma idade limite" de apoio. "O nosso 'abraço' não se fecha", atira. A discriminação ainda persiste, mas com menos força do que no início da actividade da instituição. "Podemos dizer que as pessoas estão mais sensibilizadas, mais informadas, de um modo geral, mas continuam a assustar-se muito", frisa, referindo-se à rápida associação de que "a sida é morte". "As pessoas continuam a ter dificuldade em entender que a sida é uma doença que caminha, cada vez mais, para um estado de cronicidade como tantas outras e que as pessoas, desde que tenham cuidados, podem estar integradas na sociedade", aponta. Ao contrário dos primórdios da doença, em que era facilmente 'colada' à prostituição, aos toxicodependentes e aos pobres, a sida agora é "de todos". "É uma doença democrática que, sendo de comportamentos, pode dar num pobre coitado como num senhor advogado ou engenheiro, com muito bom ar e aspecto, porque não está escrito na testa das pessoas", alerta. O mais que apelado uso do preservativo continua a ser recorrente em todas as campanhas que desenvolvem. Na vida sexual, este método contraceptivo não pode ser descurado. "A sida tem este lado 'bom', no sentido em que é muito fácil nos prevenirmos", sublinha, acrescentando que, "havendo cuidados, é uma doença controlada". 378 casos registados na Região Desde Janeiro de 1983 até Dezembro do ano passado, a Região tem registados 378 casos. Segundo Cristina Gouveia, a sociedade continua a "fechar os ouvidos à realidade do que é a sida". "Pelos conhecimentos que vou tendo, sinto que há pessoas que foram tramadas ou foram apanhadas por algo que foi construído por elas próprias, como preconceitos e pressupostos errados, por isso vamos esperar que estes números não aumentem", frisa. Porém, segundo a psicóloga, há cada vez mais registos de novos casos em segmentos antes não identificados, como em idosos. "Em Portugal, houve aparecimentos na casa dos 40, relacionados com práticas sexuais não protegidas", aponta, garantindo que tal se baseia no facto de a sexualidade ainda constituir um tabu bem presente na sociedade, bem como o uso do preservativo em determinadas faixas etárias. "Se as pessoas perceberem que a sida, havendo comportamento de risco, pode chegar a qualquer pessoa e que implica um comportamento preventivo da pessoa em relação a si própria, esses números não aumentam", atira, acrescentando que "a responsabilidade de protecção não é do outro, mas de cada um".Apoios precisam-se"Continuamos sem apoios". A casa que a Abraço utiliza na Rua da Carreira, cedida pelo Governo Regional, continua por melhorar, visto que não se encontra em boas condições. "Já é o terceiro Natal em que o pedido da Abraço continua a ser o mesmo ao Pai Natal, que é uma nova casa para as crianças, onde elas possam crescer, estudar e aprender a viver para um dia serem cidadãos com civismo", frisa a psicóloga. Estudo sobre o medo da SIDA na população- A maioria dos portugueses acredita que o medo da sida pode ser uma barreira para o diagnóstico, revela um estudo pioneiro realizado em Portugal; - Um em cada três portugueses conhece uma pessoa seropositiva; - 43% considera que a sida é a segunda doença mais grave em Portugal, logo a seguir ao cancro; - O medo e a injustiça são os sentimentos que a sida mais gera; - 24% referem que os portadores do vírus da sida são um dos grupos mais discriminados na sociedade; - 93% consideram que as pessoas com sida são discriminadas e só 37% consideram que a discriminação tem diminuído em Portugal; - Metade da população inquirida tem receio em fazer testes para diagnóstico da sida, por vergonha.
Zélia Castro

Dia Mundial da Sida

Há muitos casos de Sida por notificar


Machado Caetano diz que situação do país é lamentável
Há muitos casos de Sida por notificar
Jornal da Madeira — Recentes estudos indicavam que Portugal é um dos países com uma das maiores taxas de novas infecções, pelo menos a nível europeu. Como é que estamos em relação à Europa e, já agora, em relação ao Mundo?Machado Caetano— É com o maior pesar que tenho que responder que, de facto, Portugal, em termos de país evoluído e europeu, tem das taxas mais elevadas de seropositivos e de SIDA. Tirando a Estónia, somos o país com maior incidência e com maior número de casos de SIDA por 100 mil habitantes. É muito difícil falar de números sem sublinhar que existe uma subnotificação muito grande. Os médicos continuam, a nível nacional, a não relatar todos os casos de SIDA, ainda que tenha passado a ser um dever, uma obrigação dos médicos. Há uma carência de informação real, que atinge, provavelmente, milhares de casos que não são relatados. No país, à data de Junho deste ano, contavam-se 33.800 casos de infecção VIH, com um número de casos de SIDA propriamente dita de 14.600 casos. Na Madeira, o número global de casos de infectados, referenciados até Junho deste ano, atinge os 395 casos de infecção, dos quais 138 já com SIDA. Nos Açores são 240 casos de infecção, dos quais 89 já com SIDA.A situação em Portugal é lamentável. As três grandes cidades mais afectadas são Lisboa, Porto, Santarém e depois, as cidades que têm ambiente universitário. Onde há universidades costuma haver mais juventude, há muito mais liberalização sexual e aparecem muitos mais casos. Podemos dizer que, de facto, progredimos em muitas coisas, mas no que diz respeito à informação sanitária da população no que diz respeito à luta contra as doenças sexualmente transmissíveis e particularmente a SIDA, os resultados são muitíssimo insuficientes. De pequenino é que se torce o pepino e nós não estamos a aproveitar aquilo que seria o mais indicado, que é investir fortemente na educação para a Saúde, para a sexualidade e na educação cívica dos jovens. Os nossos jovens têm de chegar aos 12 anos com uma preparação que lhes dê a capacidade de não escorregarem para as grandes ratoeiras da civilização contemporânea, que é ver muitos filmes, fumar, beber bedidas alcoólicas. Hoje em dia a taxa de alcoolismo nos jovens é elevadíssima. Sabemos que ao fim-de-semana os jovens muito novinhos já se embriagam regularmente. E não bebem para se alegrar ou divertir. Bebem para ficar bêbados. Portanto, isso condiciona uma série de comportamentos de criminalidade, de comportamentos sexuais de alto risco.Alterações nos infectadosEm Portugal, tal como noutros países, tem havido uma evolução de quem é que se deixa infectar. Cada vez vemos que são menos toxicodependentes e mais heterossexuais, mais mulheres, mais jovens e mais idosos. Estamos a ver cada vez pessoas mais velhas a aparecer infectadas, mercê de toda uma série de novas práticas sexuais com estimulantes — Viagras e outras substâncias. Também vale a pena salientar que continuamos a ter um número de casos mais elevado na taxa entre os 25 e os 60 e tal anos. Como a SIDA demora dez, doze ou quinze anos a aparecer, significa que muitas das pessoas que aparecem infectadas aos 25 ou 30 anos se infectaram na adolescência. O que se está a passar é que houve uma mudança de hábitos das drogas injectáveis para os comprimidos e cocaína. Há menor número de heroinómanos, menos droga intervenosa, menos injecções, menos casos de SIDA. Passámos a ter outras patologias, como é evidente. JM - Como é que estamos a nível de tratamento?MC - Hoje, conhece-se melhor a infecção VIH. Já não se espera tanto tempo para começar a tratar as pessoas. Percebeu-se que quanto mais cedo se começar o tratamento, melhor. O tratamento, agora, diz-se que deve ser precoce, intensivo e de associação medicamentosa.Por outro lado, o estudo genético das pessoas infectadas permite estudar os casos de vírus resistentes à terapêutica e, por outro, permite evitar reacções secundárias desagradáveis com alguns medicamentos. Há pessoas que reagem muito mal a um medicamento e hoje já podemos, por estudos genéticos, determinar isso.Prevenção integrada é a soluçãoUm outro progresso que vale a pena difundir é que a prevenção deixou de ser só esta coisa de informar as pessoas sobre como é que o vírus passa de uma pessoa para as outras. O vírus só passa por via sexual, por via materno-infantil ou injectado. Não há outras maneiras de o vírus penetrar. Pensava-se que bastava dizer às pessoas para usar o preservativo, não terem relações com desconhecidos, etc. Não. Hoje em dia, defende-se a prevenção integrada. É preciso, ao mesmo tempo, informar, educar para a sexualidade, fomentar o uso do preservativo, desenvolver a circuncisão em pessoas que têm um prepúcio que precisa de ser operado, fazer consultas de diagnóstico e tratamento de doenças sexualmente transmissíveis, sem ser a SIDA: a sífilis, o herpes e outras doenças que aumentam a probabilidade de ter SIDA e fazer o tratamento precoce e generalizado, bem como o acompanhamento, das pessoas infectadas. A prevenção é isto. Se não for tudo isto feito ao mesmo tempo não estamos a prevenir. Basta que não tratemos todas as pessoas infectadas para haver imensas pessoas com virémias muito altas e com grande probabilidade de infectar os outros.Compromisso internacional a cumprir até 2010Há uma espécie de compromisso internacional, que não tem sido cumprido, e que foi reafirmado no Congresso do México, que é o de que, até 2010, todas as pessoas tenham acesso ao diagnóstico e ao tratamento. Podemos dizer que é um bocado utópico, mas internacionalmente foi esse o desejo mais uma vez expresso.Outro aspecto que vale a pena salientar é que existem em todos os países e também em Portugal, uma subavaliação das pessoas infectadas, heterossexuais e bissexuais. Há muito mais pessoas infectadas do que nós julgamos, sobretudo na parte hetero e bissexual. A maior parte das vezes não se detecta esse risco acrescentado das pessoas. Toxicodependentes tuberculose e SIDAOutro aspecto a salientar é o dos toxicodependentes. Queria chamar a atenção para que os toxicodependentes, sobretudo os por via intervenosa, são um risco enorme, não só para eles, que não são tratados, diagnosticados e apoiados, como para a população em geral. Porque o número de indivíduos toxicodependentes com tuberculose é elevadíssimo. E a tuberculose não se pega na cama. Pega-se em qualquer lado! Sublinho aqui a enorme importância que se tem de dar aos toxicodependentes. Não só pelo que eles sofrem, pelo que eles gastam, pelo risco que a sociedade tem nos seus distúrbios, nos seus comportamentos, mas porque eles são veículo também de transmissão de muitas doenças, designadamente, hepatites e tuberculose. Foi feito um alerta mundial em relação a isto.Um outro aspecto que quero sublinhar: a tuberculose está casada com a SIDA. O número de pessoas com infecção VIH que tem tuberculose ultrapassa os 50 por cento. É uma taxa elevadíssima.Deveremos procurar os toxicodependentes, os seropositivos, agarrá-los (no melhor sentido) e estudá-los de modo a verificar se eles têm uma infecção destas, com perigo para eles e para a população. Esse é que é o problema. Não é o VIH! O VIH passa-se na intimidade de uma relação sexual, ou da mãe para o filho ou por picada. Mas nunca neste convívio. E neste convívio, hoje, a tuberculose e a hepatite são particularmente perigosas.JM — E a nível de apoios estatais?MC — Há carências enormes. Porque repare: a infecção VIH não é só ter o vírus no sangue. A infecção produz no indivíduo infectado, mesmo sem a expressão logo da doença, uma enorme depressão, uma enorme sensação de angústia, de ansiedade. As pessoas ficam muito marcadas em relação à sua capacidade de trabalhar, de conviver. A vida sofre um abalo brutal. E até que as pessoas se restabeleçam, passa muito tempo. Faltam apoios psicológicos. Faltam apoios de suporte social, até porque muitos destes indivíduos deixam de trabalhar, muitas vezes erradamente. Há carências de medicamentos. Muitos deles nem são comparticipados. Mesmo os genéricos, muitos não são comparticipados.Portanto, as pessoas infectadas, muitas das quais pertencem a classes socioeconómicas muito baixas e têm carências brutais, necessitariam de que fossem estudadas as condições de melhor apoio a nível jurídico, social, económico, familiar. Há na verdade, a necessidade de um investimento muito maior.A solução é diagnosticar cedo, tratar com ferocidade e apoiar os doentes e as famílias.Há uma coisa que quero salientar: não é preciso ter uma relação coital, isto é, sexo, relação física para haver o risco de transmissão de muitas doenças do grupo das sexualmente transmissíveis. Mesmo sem haver uma relação sexual. Refiro-me ao herpes, ao vírus do Papiloma, à sífilis, à Hepatite B, à tuberculose. Todas estas infecções e doenças podem-se ter por um relacionamento amoroso que não implique penetração sexual. Os jovens têm de saber isto, porque muitos deles não têm ainda relações de penetração — têm carinhos, contactos e, por vezes, contagiam-se uns aos outros — por vezes com vírus indutores do cancro, como é o caso do vírus do Papiloma.Hoje, as pessoas seropositivas e infectadas, que se comecem a tratar a tempo, com os novos medicamentos, têm uma sobrevida praticamente igual à das pessoas do seu género e da sua idade que não estão infectadas. Quer dizer, que a infecção por VIH, se tratada a tempo, pode não induzir morte mais precoce, desde que o indivíduo seja diagnosticado a tempo, seja acompanhado, faça tratamentos correctos, seja controlado. A pessoa que tenha tido comportamentos de risco ou admita que possa estar infectada, deve ir ao médico e pedir um teste de sida. Hoje os testes são muito sensíveis, têm uma garantia de correcção elevadíssima e muitas vezes já após três semanas de um contacto podemos ter testes fiáveis, seguros, para poder dizer que a pessoa tem o vírus. É um teste muitíssimo simples. É gratuito, a nível do Serviço Nacional de Saúde. Passem palavra: quem pensar que pode ter sido infectado não hesite, vá ao seu médico peça para fazer um teste de VIH e deixe-se viver como se não tivesse o vírus da SIDA, sem infectar os outros e com os tratamentos pode viver como outra pessoa qualquer.

Anete Marques Joaquim