quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

in Diário Noticias da Madeira - Sobreviver com 204 Euros



Sobreviver com 204 euros
Seropositivos lutam contra o vírus e pela sobrevivência: Faltam apoios
Data: 26-01-2009 Comentários: 0
Vivem com uma pensão vitalícia de 204 euros, têm medicação grátis (para tratamento da doença) e apoio na deslocação ao Hospital dos Marmeleiros. A luta contra a sida conheceu progressos significativos nos últimos anos, mas a verdade é que muitos dos 378 seropositivos diagnosticados na Madeira, em Setembro do último ano, lutam agora pela sobrevivência. O preconceito e a discriminação deixam-nos sem trabalho e sem dinheiro para comer e para pagar os suplementos vitamínicos necessários para sustentar a carga medicamentosa no organismo. Os seropositivos com que o DIÁRIO falou, pedem mais apoio psiquiátrico e terapias complementares. Para poderem adiar a hora da morte. Tiago (nome fictício) mora da zona Oeste da Madeira e descobriu o Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH/sida) logo aos 18 anos. "Apareceu-me uns nódulos no pescoço e debaixo do braço", recorda. Fez análises clínicas e apresentou-as a uma médica do Hospital do Funchal. "Estava tudo bem, mas ela recomendou que eu fizesse um rastreio à sida e pediu, para isso, a minha permissão", numa altura em que a sida não era ainda uma doença de declaração obrigatória. Tiago acedeu tirar a prova dos nove. O resultado deu positivo. "A minha reacção inicial nem foi de choque porque eu já andava tão deprimido que aceitei aquilo como se fosse mais um grande azar na minha vida e pensei: era só o que me faltava, não podia ser pior". Residente na zona Oeste da ilha da Madeira, Tiago, hoje com 30 anos, teve uma infância problemática. Cresceu numa casa modesta, no seio de uma família desestruturada e bebia para esquecer as crises. "Ainda vivia com os meus pais quando soube que era seropositivo, mas não lhes disse nada". Guardou segredo durante quatro anos, período em que segurou a vida sem que nunca o Hospital lhe oferecesse a possibilidade de ter apoio psiquiátrico. Cresceu com sida, mergulhado numa depressão profunda e medicamentando-se às escondidas. Hoje, garante que não sabe como foi contagiado com o VIH. "Durante o período escolar, sem que ninguém se apercebesse, punha o comprimido debaixo da língua e corria para beber água", relata. As náuseas e as diarreias são alguns dos efeitos secundários mais comuns da medicamentação - combinação tripla de pastilhas antivirais - , mas o Tiago acusou outros. "Estava a meio de uma aula a tocar, como que a enrolar o cabelo, quando, de repente, olhei para o caderno e vi um monte de cabelo. Foi um choque". Diz que a partir dessa aula do 10.º ano o seu comportamento mudou completamente. Da falta de concentração, passou a irritar-se por tudo e por nada e a transformar-se num rapaz problemático, indisciplinado e sem aproveitamento escolar. Desterrava as mesadas em bebidas. Fartou-se do efeito analgésico do álcool e entregou-se aos fármacos. "Fui às drogas prescritas", esclarece assim, de forma directa. "Enganava a farmácia e dizia que os remédios eram para a minha avó", confessa. Ingeria grandes quantidades de pastilhas indiscriminadamente "para esquecer a situação e porque gostava da sensação de ver vacas a voar e a desequilibrar-me quando andava". Sem nunca saber o que são terapias de grupo, foi numa dessas sessões alucinogénicas que, na companhia de um colega de escola, desabafou, pela primeira vez, o seu segredo.Viveu seis meses na ilusão, até que a mãe detectou sinais da sua insanidade mental e decidiu procurar apoio psiquiátrico. "A minha mãe marcou uma consulta na Clínica da Sé. Na altura custou 7.500 escudos". Tiago confessou ao psiquiatra a razão de toda aquela agitação juvenil: era seropositivo e vivia o drama sozinho e escondido do mundo. Um ano depois, suspendeu a medicação. Um dos exames periódicos revelou que a carga viral tornou-se indetectável. "Uns amigos seropositivos que conheci nos Marmeleiros aconselharam-me a parar porque a medicação era muito forte e desfigurava uma pessoa". Sentiu-se aliviado, embora temesse que o VIH evoluísse e não ficasse imune à medicação. O facto de ser seropsitivo valeu-lhe sacrifícios no relacionamento social e afectivo. Aos 24 anos, chegou a estar noivo durante 18 meses mas, quando toda a família o empurrava para casar, Tiago recuou. "As relações sexuais sempre foram protegidas, mas não estava disposto a expô-la a esse risco". O sonho da companheira em ter filhos, de amamentá-los, fê-lo procurar uma solução no Hospital do Funchal. "Pedi para fazerem uma análise de contagem do vírus no esperma e expliquei que estava a pensar ter um filho, mas disseram-me que o meu pedido foi negado porque era muito caro". De uma vez por todas, pôs de lado o sonho de constituir família. 'Rompeu' o noivado e entregou-se à depressão, fazendo despertar o vírus. 15 pastilhas e uma refeição por diaCom as defesas do organismo débeis, sofreu uma carga viral no sistema imunológico para níveis detectáveis. "Perguntaram-me se estava disposto a retomar a medicação". Inicialmente hesitou, depois acedeu. Toma 9 a 15 pastilhas três vezes ao dia e luta para se alimentar bem. Os portadores de VIH/sida beneficiam de uma pensão vitalícia. São 204 euros por mês, que não dão para cobrir as despesas com suplementos vitamínicos (minérios e vitamina E), ou os cuidados de higiene extra tão imprescindíveis para evitar que se debilite o sistema imunitário e que a doença determine o seu destino. "Vejo um grande investimento para combater o vírus e a medicação é caríssima, mas vejo pouco no fortalecimento do organismo", resume, assim, a política social de apoio aos seropositivos. "É preciso uma boa base alimentar e sinto-me assustado por não ter dinheiro para me poder alimentar direito", confessa. Todos os meses gasta cerca de 50 euros, a que acresce 22 em gás e 25 em electricidade. "Não dá", desafoga. "Ninguém está a ver o que se está a passar", aponta. Recentemente, viu recusado o reembolso pela totalidade da despesa de uma deslocação que fez ao Hospital dos Marmeleiros. Gastou 84,60 euros de táxi, ida e volta, mas o Governo só paga metade. "Para quem vive longe do Funchal e com baixos rendimentos é complicado". Está desempregado e confessa ter tido dificuldades em arranjar um trabalho sólido, pois "o mundo é pequeno". Mas "há uma pessoa que me apadrinha". Conta com a ajuda de um amigo que lhe reserva alguns "biscates" na jardinagem. Assim, de vez em quando, consegue comer antes de se deitar.
Ricardo Duarte Freitas